Por Jayme Langlois
Pirez Lameiro
Turismo Universidade Federal do Pampa
Seis horas da manhã
soava o apito do trem no tilintar do sino que dava a partida deixando
para trás a estação, devagar rufada do vapor e sonidos ringindo
pelos trilhos no caminho de ferro. A plataforma alta, com dezenas de
pessoas acenando para quem partia. Lentamente seguia o trem. Podia
ver a cidade que ficava pouco mais distante, suas luminárias ainda
cobertas pela cerração desenhavam um outono úmido. Logo o agente
de terno e quepe marinho, vinha equilibrado pelo encosto dos
assentos, ticket-ticket nos boletos de passagem.
Na curva do capão
reúno, pela janela do trem, os campos exibiam uma áurea de
luminosidade, sinal que o dia amanhecia. O alambrado corria do lado
dos vagões parecendo viajar junto. As coxilhas da ramada esverdeavam
a paisagem que, a os poucos deixava o sol nascer. Na primeira parada,
estação Joaquim Caetano, o negrinho Floriano abraçado ao cesto de
vime entre um vagão e outro, andava de pés descalços vendendo
rapadurinhas e pasteis, havia sempre alguém que o conhecia da cancha
reta de carreira bem acima do corte nos trilhos. Os capins davam
sinal que, há muito tempo deixaram de correr cavalos e petiços aos
domingos. A tapera do rancho que sorvia aguardente no balcão do
boliche permanece há tempos na sombra das acácias.
O galpão sem palhas
mostrava o esqueleto do sustento nas varas de eucalipto que cobria
seu teto, e o trem dava partida...
A Caixinha d’água,
como era conhecida, suspensa por estacas de madeira pintadas na cor
negra, esguichava pela manga que mais parecia um elefante abastecendo
o reservatório da máquina a vapor. Ficava bem a os fundos do campo
de meu avô. Muitos foram às vezes por ali à tardinha, corriam
pelos campos entre macega alta e carquejas para ver o trem voltar
outro dia.
A trilha do caminho,
sinuosa e estreita, fazia a vegetação bater na janela dos vagões,
hora podia estar alguns pontilhões cruzando vertentes dos cerros que
se aproxima.
O sol já ia alto,
quando na estação Mauá, parava o comboio em estilhaços de ferro
pelos trilhos. A velha figueira entrelaçada por ervas daninha
parasitas deixava cair folhas pelo chão. Muitas foram às vezes nos
dias quentes de verão, acolheu na sua sombra viajante a espera do
trem.
Desponta entre o mato a
pequena Capela do padre Neves, branca do cal e amarelada pelo tempo,
deixando em seus registros batizados e casamentos, entre alguma missa
e outra, a benção pelo campo. Plantações e pomares com galhos
secos dão sinal outonal. A ponte de pedra e o ferro sobre os
dormentes da madeira, ainda mostram sinal de firmeza quando
lentamente se passava para não descarrila ladeira a baixo, pois o
penhasco inclinava na vegetação baixa podendo ver o musgo.
Trabalhadores
ferroviários à beira dos trilhos debruçam nos piques do alambrado
o suor esticado pelo tempo. Das pequenas casas de madeira pintadas de
amarelo queimado, crianças e mulheres acenam em alvoroço. Humildes
quadros e retratos enfeitam salas com pequenas mesas cobertas de
toalhas estampadas.
A porteira estava
aberta sobre a encruzilhada, ao longe se via o corredor sumindo entre
a sanga e o curral. Chaves gigantes no cruzamento dos trilhos e algum
vagão boiadeiro, esperando a carga dos animais.
As folhas já começaram
a cair, sopra o vento mais forte. São quatro horas mais ou menos. O
Sol deve estar bem por cima do morro e, se há brisa, as ondulações
do açude estarão vibrando nos seus reflexos... Os paraísos
cresceram muito nestes últimos anos. Alguma coisa mudou, mas ainda
podia sentir-se o perfume e o sabor do butiá maduro por toda a Vila
Basilio. Pelo caminho da estreita ruazinha, cachos caídos pelo chão,
verdes, maduros e outros apodrecendo.
O Caminho de Ferro
chega ao destino de sua baldeação. Esperava agora o próximo trem.
Cai a tarde. Encostado num banco de madeira com pregos crivados a
martelo, fazia mirar ao longe o crepúsculo da noite sumindo
vagarosamente entre as árvores.
Os matizes cambiantes
do outono, bancos de estações, trabalhadores e suas famílias, fez
retornar... Com a chegada do frio, pelos baixos do clima já se podia
sentir constantes madrugadas geladas e ver o campo esbranquiçado,
desfalecida, bem invernal. Janelas fechadas, vidros embaçados pela
chuva fria que caía no amanhecer, o fogão a lenha, aquecem, criando
um clima especial e nostálgico na simplicidade dos casarios. Fez
muito tempo, as férias de julho. Corriam agasalhadas na cobertura da
estação, arteiras gurizadas esperando o trem.
Entre um potreiro e
outro as flores do campo. Passarada ecoando tons de primavera cruzava
o céu azul. As flores nos jardins davam nova forma de vida, até a
própria figueira à beira do caminho, vestia-se de um manto verde
acre para a sombra do verão. Nisto o viajante observa que o campo a
vida fica mais exposta sobre o caminho de ferro, ele resume tudo,
porque além da geografia privilegiada, é a vida que renasce.
Nesta breve pintura,
quando o verde das coxilhas ao longe, prende-se ao horizonte.
Revela-se o matrimônio insólito, entre o momento preciso das
estações e a suavidade da paisagem.
O Caminho de Ferro
podia mostrar a possível contribuição da atividade turística para
a preservação paisagística, histórica e poética de uma região,
e isto ocorrendo possa ser de extrema relevância, pois muitas
paisagens possuem valores simbólicos sobre a história, a cultura e
o modo de vida de um povo.
Edição
de 25/03/2015 Ano IV nº 205
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