Um espaço aberto para o leitor

segunda-feira, 27 de abril de 2015

A cadeira de balanço da vida por Vicentepimentero

 O sujeito trabalha toda a vida, mais do que vive, do que dorme, do que descansa, do que aproveita, e quando completa várias décadas de função trabalhista se aposenta. Já velho, cansado, e com dificuldades físicas procura um lugar tranquilo para curtir a aposentadoria, na minha opinião, para esperar a morte. Seguimos à risca esses padrões sociais que nos implantaram desde sei lá que época que tempo. Não pesquisei sobre isso, não achei necessário estudar aquilo que está tão presente aos olhos leigos. Deixamos de viver a vida que queremos e achamos que queremos viver a vida que temos de uma forma geral claro. Atividades de aposentado bon vivant que podemos tê-las sempre, deixamos para depois com o intuito de felicidade, só que não, como se escreve atualmente no dialeto virtual. 

Pensamos em fugir das cidades, do barulho, das tensões, e das pulsações urbanas, procuramos descanso, sossego, procuramos o fim. E daí vem aquela velha frase: já criei meus filhos, os formei, os casei, agora posso morrer em paz. Ou seja, perpetuamos esses ensinamentos em nossas famílias e desenhamos nossa própria triste história. Deixamos de viver uma vida jovem ou jovial, para que me entendam melhor, e nos vestimos de velhice, tal qual mandam os padrões. Adiamos práticas saudáveis para a mente e o corpo pela falta de tempo, aquele mesmo tempo mal aproveitado que nos pertence, mas que não sabemos administrá-lo. Comemos mal para depois enchermo-nos de remédios e entrar no jogo macabro da máfia alopática. Entre outros hábitos gastamos mais de 50 % da nossa vida naquilo que nos imporão e nos impomos, quase sempre em frente aquela telinha que faz plim plim, plim plac ou plim plum, somos verdadeiros escravos do consumismo e da caretice social. É claro que as rotinas nos dão segurança, estabilidade, coesão com nossas naturezas vitais, mas também nos encolhem como seres humanos, não medimos a dádiva de viver e não percebemos o quão longe nossos braços e nossa alma possam alcançar, o quanto podemos explorar deste lindo mundo que ganhamos e muito menos percebemos que, a felicidade, ou a liberdade, estão ali, na esquina, na volta de casa, ao lado, e se há e se existe, devemos pegá-la. 

Hoje e sempre tento levar a vida que quero que me pertença, não espero encher os cabelos de fios brancos para cultivar minha horta, para escutar meu vinil, ou para passear de bicicleta e contemplar as coisas mais simples que a natureza nos propõe. Não espero a velhice, ela que me espera, em algum lugar remoto que hoje imagino, mas não planejo, pois devo planejar o dia de hoje, devo viajar amanhã, e devo aproveitar ontem. Nessa teoria de pensamento me remeto à loucura de viver e a adrenalina que vamos perdendo enquanto ficamos enferrujados. Ou quando crianças não girávamos até ficarmos tontos? Nosso corpo e espirito andam de mãos dadas com essa força vital que perdemos aos poucos, enquanto assinamos nosso contrato de velho a vida passa sem passarmos por ela. 

Vivamos ao contrário, morrer para nascer, matar nossas preguiças e reviver nossas andanças, boicotar nossas rotinas e caminhar ao luar, sabotar as datas chatas e comemorativas, não os aniversários ou datas especiais que nos aproximam do nosso, mas sim esses calendários consumistas que nos obrigam às compras e a futilidade da união em volta do objeto, do dinheiro, e não em volta à vida. A vida, essa mesma, é muito mais do que isso, sejamos subversivos, na maneira de enfrentar os problemas, de amar o próximo, de respeitar a criança que somos e o velho que seremos, pois enquanto isso a vida passa como um flashback, uma deja vu. Bora lá caminhar por aí, visitar os lugares mais desejados, dizer, enquanto é tempo, o quanto amamos isso tudo, mergulhar no abismo da inconsciência. Voar pelos livros jamais lidos, dedicar canções, comprar flores para si, abrir a mente, arejar a casa das ideias, viver para viver. A todos uma excelente continuação de semana e a proposta de fazer coisas diferentes e não envelhecer embalsamado na cadeira de balanço da varanda, empalhados na cadeira de balanço da vida.

Edição de 22/04/2015 Ano VI nº 209