Um espaço aberto para o leitor

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Coluna Gente Fronteiriça - Monólogo da Árvore

Por Wenceslau Gonçalves

Quando estive em Jaguarão, no início de março, tomei conhecimento da mutilação de árvores que está ocorrendo na cidade. Aliás, um mau hábito que ocorre também em outros municípios com igual prejuízo para a natureza. Coloquei-me no lugar de um desses vegetais e imaginei o que ele poderia estar pensando. A seguir, o resultado da minha intuição.

“Primeiro eles cuidaram da minha semente. Fizeram-me nascer; acalentaram meu crescimento com a energia e a água que necessitei para meus primeiros anos de vida. Aos poucos, fui-me transformando, dispensando maiores cuidados dos homens porque a própria natureza que me idealizou providenciava tudo: a chuva que matava minha sede e molhava a terra em meu redor, e o sol que alimentava os micro-organismos para que eles pudessem prosperar e contribuir para que eu pudesse festejar a magia da criação.

A vida em mim vicejava com perfeição. Comecei a tornar-me adulta e a receber, então, os primeiros ninhos de alguns pássaros que foram os primeiros a descobrir que meus galhos já eram suficientes para sustentá-los. Contribui, então, para que eles também multiplicassem a vida animal para complementar a alegria dos homens. Antes disso, é claro, foi aqui, também, que os machos exibiram suas plumas e trinados, querendo impressionar suas conquistas para o acasalamento, visando prolongar a vida. Também alguns homens, cansados da dura lida diária, usaram a minha sombra, em merecido lazer. Muitos dele suados, pelo trabalho pesado em busca de sustento, receberam o frescor de minhas folhas para revigorarem suas forças e prosseguirem em sua jornada. As minhas flores poderiam não ser as mais belas, mas contribuíram também para a propagação não apenas da minha espécie como, também, para alimentar muitos insetos que partilham do equilíbrio que sustenta o sistema e possibilita a vida no planeta.

Isso tudo foi até ontem. Hoje, alguém chegou comandando outros humanos e, com grande barulho de máquinas destruidoras foram, simplesmente, ceifando meu caule, meu tronco, meus galhos. Ainda pude ver meus pedaços levantando poeira ao encontrarem a terra. Parte de minha vida se estiolando a céu aberto sem merecer a menor compaixão. Sei que o destino natural da árvore é servir para alguma finalidade e para isso são abatidas. Algumas se destinam a transformar-se em papel, que vai transmitir a cultura; outras servirão de abrigo ou irão aquecer corpos necessitados de calor. Outras, ainda, serão barco, que permitirá ao pescador alimentar sua família. Não é contra isso que me estou rebelando. Não consigo entender porque os homens que estiveram aqui não me abateram; apenas me mutilaram. Tiraram-me os galhos e parte do tronco. Derrubaram minhas folhas e minhas flores pelo chão. Agora não posso mais abrigar pássaros; não posso oferecer sombra aos viajantes; não tenho mais seiva para as abelhas fazerem seu mel. A partir daqui, vou ter que recomeçar minha vida que agora se apequena pela transgressão humana.

Eles não me tiraram a vida para que eu não pudesse cumprir uma de minhas finalidades. Fizeram comigo o que de pior se pode também fazer a outros homens: tentam tirar-me a finalidade para a qual existo.”


Edição de 17/06/2015 Ano VI nº 217