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quinta-feira, 30 de março de 2017

"Pampa e Sertão em Cantoria" leva resistência às famílias acampadas no RS

O projeto começou a ser executado em janeiro deste ano no sertão brasileiro e
será encerrado ainda neste mês na região sudeste do país. | Foto: MST

Por Catiana Medeiros
Do MST
A resistência do povo Sem Terra na luta por reforma agrária também se faz com arte e cultura. Foi com este propósito e o intuito de fortalecer as famílias acampadas que o gaúcho Pedro Munhoz e o pernambucano Neudo Oliveira incluíram no roteiro de apresentações do projeto ‘Pampa e Sertão em Cantoria’ o Acampamento Unidos Pela Terra, localizado no município de Charqueadas, na região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
“Caminhamos na perspectiva de levar canção de resistência e reforçar a importância da junção entre Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste, porque somos um povo só em qualquer região do Brasil – quem nos divide são as elites. A arte foi e sempre deve ser uma grande ferramenta de resistência popular, por isto deve estar em tudo e em todos os momentos”, explica Oliveira.
Os músicos se conheceram pessoalmente em uma oficina de arte em São Paulo e já fazem apresentações conjuntas desde o ano de 2015, quando percorreram Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba para um total de 12 apresentações. Foi então que surgiu a iniciativa de desenvolver o projeto ‘Pampa e Sertão em Cantoria’.
“Ao juntar a sonoridade e as culturas do Nordeste e do Sul percebemos que as relações de exploração da terra, do trabalho e da sociedade são as mesmas em qualquer parte do país, independente da geografia, do clima e do relevo. Há 2 anos, quando entramos nos sertões e olhamos nos olhos das pessoas percebemos que isso tudo exigia muito mais de nós que simplesmente subir no palco, tocar música e ir embora. É preciso ter esse contato, estar presente nos acampamentos e onde mais tiver que estar. Foi assim nasceu o Pampa e Sertão em Cantoria”, acrescenta Munhoz.
O projeto começou a ser executado em janeiro deste ano no sertão brasileiro e será encerrado ainda este mês na região sudeste do país. Nestes quase três meses de trabalho, Munhoz e Oliveira estiveram em Sergipe, Alagoas, Bahia e Rio Grande do Sul, além da cidade de Río Branco no Uruguai. Ao todo, já foram realizadas mais de 40 apresentações em teatros, institutos federais e universidades, assentamentos, quilombos e comunidades ribeirinhas – a última será dia 31 de março na cidade de Bixiga, em São Paulo. No estado gaúcho, em espaços do MST, além do Acampamento Unidos pela Terra na última segunda-feira (27), os músicos estiveram no Instituto José Martí de Castro, na Serra gaúcha; e no Instituto Educar, na região Norte.
O método utilizado por Munhoz e Oliveira nas apresentações inclui música, poesia e muita interação com o público para refletir sobre o papel social da arte e da música. “A arte é fundamental para a construção de uma nova sociedade. Nós estamos aqui transformando e criando consciência nas pessoas, trazendo energia para mantê-las animadas nessa situação difícil de acampadas em que vivem. Esse nosso papel é difícil, mas não importa. O que importa é que estamos juntos, que muitos vieram antes de nós e muitos virão depois de nós para continuar esse trabalho”, aponta Munhoz.
Conforme os músicos, ainda este ano será organizada a memória das apresentações feitas no Brasil e no Uruguai, a fim de reestruturar o projeto para executá-lo novamente em 2018, chegando, inclusive, a um número maior de estados. “Entendemos que precisamos viajar para levar não somente a música, mas também oficinas e debates sobre as problemáticas e questões que envolvem as regiões. Queremos mostrar a realidade, propiciar este intercâmbio”, adiantam.
Projeto próprio
O projeto ‘Pampa e Sertão em Cantoria’ é bancado financeiramente pelos próprios músicos, que recebem apoio logístico de algumas pessoas e militantes de organizações populares como Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) MST e Levante Popular da Juventude. “Estamos nos garantindo, conseguindo fazer esse trabalho. Pouca gente faz isso hoje no país. Estamos saindo com passagem de ida, sem pensar na passagem de volta”, conta Munhoz.

Artistas populares e o MST
O MST, ao longo de seus 33 anos de história, sempre contou com o apoio de artistas populares, entre eles, o próprio Pedro Munhoz, autor de Canção da Terra, música bastante conhecida nacionalmente. Até hoje ele contribui com oficinas e ajuda a formar Sem Terra como amantes da música e da arte.

“Munhoz ajudou a construir internamente a cultura no MST e a travar o debate de que a música deve servir para além da animação, mas também para a formação da consciência, com letras que nos convidem a resistir e nos impulsionem a lutar. Assim, através da sua música, ele leva força ao povo em vários lugares do Brasil”, ressalta a coordenadora do Coletivo Estadual de Cultura, Luciana Frozi.
Ela complementa que o trabalho dos artistas populares também tem contribuído para o rompimento da negação histórica do acesso à arte ao povo camponês e se tornado ferramenta essencial para a resistência das famílias acampadas, que têm enfrentado nestes últimos anos a paralisia da reforma agrária e a retirada de direitos.
“A arte nos ajuda a continuar resistindo, sonhando e lutando. Ela tem o poder de igualar, desarmar e transformar as pessoas. A arte cumpre uma função social quando está ligada ao povo e a uma estratégia de luta. Se estiver desligada do povo, ela não forma consciência, não eleva o nível cultural e não mostra que é possível construirmos um mundo melhor. A música que a mídia mostra hoje é assim, não deixa o povo pensar e criar, somente a repetir. E os artistas populares vêm para combater isso, para mostrar que na revolução que queremos também tem música boa, que ajude a nos movimentar”, finaliza Luciana.