Um espaço aberto para o leitor

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Coluna Gente Fronteiriça - Jorge Pagliani, um italiano em Jaguarão

Por Jorge Passos

“Senhores, quando virem passar meu caixão, saibam que ali vai um homem contrariado”. Esta frase ouvi pela primeira vez proferida pelo Seu Jorge Pagliani há uns vinte anos, quando estávamos acompanhando um amigo comum em sua última jornada. Não sei se o Seu Jorge cumpriu o prometido, mas pela sua vida exemplar como pai de família e cidadão, com 102 anos bem vividos, diria que neste sábado, 30 de maio de 2015, quando do seu sepultamento nas Irmandades, ali ia um homem plenamente realizado.

Italiano de Módena, Jorge Pagliani veio para o Brasil em 1926, adolescente de 13 anos. Creio que seu destino, Jaguarão, tenha sido fortemente influenciado pela presença, nesta cidade, do seu tio, Padre Humberto Pagliani, que já estava aqui radicado desde 1915. 

Padre Humberto fazia parte da Congregação de São José, de origem italiana, fundada por São Leonardo Murialdo, em Turim, no ano de 1873. A Escola Agrícola da Quinta no Rio Grande, em 1915, convida o Padre Pagliani, que era diretor da Escola Agrícola Industrial na Líbia, África, para dirigir o seu estabelecimento dedicado à educação de crianças órfãs e carentes. Depois de alguns meses, os Josefinos transladam-se para Jaguarão, onde constituem a Sociedade Civil “Instituto Leonardo Murialdo”. O Padre Pagliani faleceu em 1932, em Jaguarão, e tinha fama de santo. Como legado, deixou o educandário que hoje ainda leva seu nome.

Patronato São José - Jaguarão - 1916

Dessa devoção a São José, creio que todos os Pagliani comungam ainda. Como não associar o nome Pagliani à famosa Confeitaria que leva o nome do Santo, pai e protetor da Sagrada Família? Quando falamos do patriarca Jorge Pagliani, também associamos valores e atividades que marcaram sua existência: família, religiosidade, trabalho como confeiteiro de mão cheia, músico, clarinetista na orquestra do Maestro Raffo, compositor parceiro do Professor Roncato e da Professora Verdina, membro assíduo do Coral Municipal, que hoje leva seu nome, e uma paixão que desfrutava com os amigos, o xadrez.

esq.a dir:Cleber Domingues, Ángel Antunes, Vilmar Rienzo, Aldo Pagliani, Jorge Pagliani, J. Passos  

Com o fratello Jorge, como às vezes nos tratávamos, aprendi a admirar seu constante bom humor e camaradagem nos torneios de xadrez e também como colega nos Corais do Maestro Stefano Roncato e depois, da Professora Verdina. Nunca o vi perder a calma ou alterar o tom a não ser para cantar, na sua voz afinada e grave de barítono. Apesar de italiano, diria que o temperamento do Don Giorgio era muito Zen, talvez residindo aí, o segredo de sua longevidade. 
 
Escrevendo sobre essas figuras ilustres da família Pagliani em Jaguarão, observo que é pouco estudada a presença da imigração italiana em nossa cidade e na própria fronteira. Quem não se lembra do Hotel Italiano em Rio Branco? Desfilam na minha memória os nomes Rossi, Paganini, Roncato, Ricordi, Pagliani, Meroni... 

1968 - Departamento de Xadrez na antiga Sociedade Ítalo Brasileira - Jorge Pagliani (centro)

Recordo o prédio da Rua Quinze onde estava sediada a Sociedade Ítalo Brasileira Giuseppe Garibaldi e que, em 1942, diante da proibição de qualquer manifestação cultural italiana após o Brasil declarar guerra contra a Itália, foi doado ao Esporte Clube Cruzeiro. Ali funcionou durante muitos anos o departamento de Xadrez, local em que comecei a jogar com os irmãos Jorge e Aldo Pagliani e várias figuras da velha guarda do Xadrez Jaguarense, Rodolfo Meroni, Carlos Eugênio Azambuja, Valmório, Dr Cassuriaga, Álvaro Lopes, entre outros.

Nesta semana em que os católicos celebram Corpus Christi, festa de tradição, patrimônio cultural de nossa cidade, com o artesanal tapete de flores na rua General Osório, ligando a Matriz do Divino à Igreja Imaculada Conceição numa passarela de fé, certamente a comunidade jaguarense reconhecida pelo seu exemplo de vida, elevará uma prece ao amigo Jorge Pagliani. 
 
Resta in Pace Amico Giorgio!
 

Prédio da Sociedade Ítalo Brasileira Giuseppe Garibaldi - Rua XV de Novembro - Jaguarão


Detalhe da Fachada com logotipo
 Edição de 03/06/2015 Ano VI nº 215




Ponte Internacional Mauá é considerada primeiro patrimônio cultural do Mercosul

Ministro da Cultura do Brasil Juca Ferreira e Ministra da Cultura do Uruguai Maria Julia estiveram na cidade no sábado para firmar o reconhecimento do bem


Jaguarão respirou ares latino-americanos durante intensos três dias. A cidade foi sede da XI Reunião da Comissão de Patrimônio Cultural do Mercosul, onde recebeu representantes da Colômbia, Equador, Uruguai, Paraguai, Venezuela e Chile, além é claro do Brasil e do Itamaraty. Durante o encontro houve vários momentos em que Jaguarão foi destaque, tanto pela apresentação de sua cultura imaterial e de memória, como por exemplo o caso do Clube 24 de Agosto, primeiro Clube Negro a ser reconhecido como Patrimônio Cultural do RS, como pelo seu legado charqueador e fronteiriço, através dos fortins na zona rural. Outro momento de extrema importância foi a apresentação, pelo diretor do DNIT (órgão responsável pela construção da segunda ponte e também do restauro da Ponte Mauá), do projeto de restauração da Ponte Mauá. Um projeto complexo e que passará por uma segunda licitação, já que a primeira deu deserta, tamanha a grandiosidade da obra.

O prefeito Cláudio Martins destacou com orgulho o fato de Jaguarão ser uma referência em cultura fronteiriça e fez referências às ações dos governos brasileiro e uruguaio, direcionadas às cidades de fronteira. “O governo do Brasil e o governo do Uruguai têm tido esforços extraordinários para que se possa efetivamente aplicar políticas sólidas, efetivas e eficazes para avançar na qualidade de vida e no fortalecimento da integração cultural dos povos fronteiriços”, disse.

Cláudio lembrou ainda dos tempos em que a maior parte dos recursos federais desta área era encaminhada para o eixo Rio-São Paulo, ignorando as ações em pequenas cidades. “Hoje as verbas do Ministério da Cultura e os investimentos em patrimônio são distribuídos para diversas cidades. Jaguarão é um exemplo desta política de valorização e tem muito a agradecer por estes investimentos que estão contribuindo com a preservação da nossa história, o resgate da memória do nosso povo e o desenvolvimento de nosso Município”.

O diretor do Departamento de Patrimônio Material do IPHAN, Andrey Schlee, destacou a importância do impacto das políticas de valorização do patrimônio e citou o caso de Jaguarão. Segundo ele, hoje o município se recria a partir de todas estas ações voltadas a cultura, a amizade, a integração fronteiriça, sobretudo durante a administração do prefeito Cláudio Martins.

O diretor do IPHAN observou ainda que Jaguarão está renascendo a partir de uma vocação natural, que vem trazendo um salto de qualidade e garantido mais qualidade de vida para as pessoas. “Apostamos na cultura, no patrimônio, e considero certa a escolha de Jaguarão para sediar este evento, pois aqui temos bons exemplos do que o Brasil e a presidenta Dilma querem para todas as cidades históricas: a valorização e investimentos que garantam qualidade de vida para nossa população”, afirmou.

Jaguarão é um ícone, um ponto de partida”

Foto Fernanda Barbier
"Pretendo construir uma política cultural para fronteira e Jaguarão é um ícone, um ponto de partida para isso", afirmou o Ministro da Cultura do Brasil, Juca Ferreira, no sábado (30) durante atividade na Biblioteca Pública Municipal.

Uma série de propostas sobre uma política cultural para as fronteiras foi apresentada pelo ministro em Jaguarão. O evento, uma roda de conversa chamada Diálogo da Fronteira, contou com as participações de artistas, gestores, produtores e fazedores de cultura locais.

A iniciativa prevê o lançamento de um edital específico para pontos de cultura nas fronteiras. A ministra da Educação e Cultura do Uruguai, Maria Julia Muñoz, participou do debate e fez parte da agenda que Juca Ferreira cumpriu em Jaguarão.

O ministro defendeu a construção, na fronteira, de um território de "amizade, parceria, vivência cultural e integração com países irmãos". O anúncio do lançamento do edital para pontos de cultura nas divisas, já em 2016, foi recebido com entusiasmo pelos participantes da roda de conversa.

"É preciso ser uma política que dê conta da diversidade presente nessas regiões e que, ao mesmo tempo, estimule a integração e as parcerias. Pensem no ministério como um parceiro para apoiar esse processo que vocês já vivem", destacou.

A proposta recebeu apoio da ministra da Educação e Cultura do Uruguai. "Vamos estar sempre atentos a fomentar a cultura de fronteira. Ela nos une. Nossos povos têm sonhos em comum", afirmou Maria Julia Muñoz.

Pontos de Cultura

Em Jaguarão, o ministro ressaltou a importância dos Pontos de Cultura para o fomento da cultura de base comunitária no país. "Historicamente, as comunidades acharam uma forma de qualificar seu ambiente e superar a ausência do Estado. Muitas vezes, em um ambiente degradado e submetido à violência, as pessoas produzem um ambiente mágico que só a arte e a cultura são capazes de fazer", comentou.
Ferreira enfatizou, ainda, que os Pontos de Cultura são "parte insubstituível" da Cultura brasileira, presentes em todo o país, desde a periferia até as comunidades indígenas. "É preciso reconhecer o direito do povo brasileiro de ter apoio do Estado para que se desenvolva. Nós vamos trabalhar para ampliar essa experiência", frisou.

Outras demandas

Ao longo do evento, participantes puderam expor seus pontos de vista e fazer demandas. Luta contra a intolerância religiosa, maior acesso à cultura, investimentos para o setor do audiovisual da região e a cultura vista como vetor de integração e de desenvolvimento regional foram alguns dos temas tratados.

Outro pedido de destaque foi a necessidade de descentralização na distribuição de recursos para a área cultural. Em relação a esse aspecto, mais uma vez, o ministro foi enfático ao defender a reforma da Lei Rouanet.

"A lei Rouanet representa 80% do dinheiro que o governo tem para aplicar na cultura. É mal aplicado porque, em última instância, quem define o uso é o departamento de marketing da empresa. E a empresa se associa a quem pode dar retorno de imagem a ela, então, a restrição é imensa", lamentou.

Além de Juca Ferreira e da ministra da Educação e da Cultura do Uruguai, estiveram presentes à roda de conversa o prefeito de Jaguarão, Cláudio Martins, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jurema Machado, e o diretor do departamento de Relações internacionais do MinC, Gustavo Pacheco, entre outros.

Foto Fernanda Barbier
Cerimônia de reconhecimento da Ponte Barão de Mauá

Após a roda de conversa, na Biblioteca Pública, a comitiva seguiu para a cerimônia de reconhecimento da ponte Barão de Mauá como patrimônio cultural.

Juca Ferreira afirmou que "referendar a ponte como patrimônio cultural é um momento importante para o MinC . É um momento simbólico de reconhecimento de uma integração que já existia e de uma ponte que foi grande elo de ligação e que continua sendo."

Edição de 03/06/2015 Ano VI nº 215