Um espaço aberto para o leitor

sábado, 31 de outubro de 2015

Coluna Gente Fronteiriça - Suponhamos que sim...Ou que não...


Uma das recentes manchetes da nossa grande mídia nacional é uma provável convocação de um ex-presidente para depor em uma CPI da Câmara que está tratando – concomitantemente com a Justiça Federal – das questões relacionadas com a já conhecida Operação “Lava Jato”, uma das últimas tarefas das que vêm sendo encetadas pela nossa operosa Polícia Federal. O estranho não é a convocação. É muito natural, em um País democrático, que alguém tenha que se pronunciar quando sobre ele pese algum tipo de suspeita de mal-feito que venha em prejuízo da sociedade como um todo. O inusitado do caso é a motivação pelo qual se pretende convocar a ex-autoridade. A motivação seria porque um delator premiado (figura muito em voga ultimamente) em uma de seus tantos pronunciamentos relatando a sua participação na tramoia, declarou “Suponho que o ex-presidente soubesse”.

A valer a justificativa para que se lance uma dúvida sobre qualquer pessoa a ponto de convocá-la para prestar declarações, poderíamos acabar caindo na seguinte conclusão: uma suposição pode produzir até uma situação de suspeita para quem sofreu um comentário por parte de quem quer seja. A partir de então precisaríamos ter cuidado com qualquer expressão que algum desconhecido usasse referindo-se a um provável comportamento nosso com base apenas em uma suposição.

Seguindo essa linha, atrevo-me a, também, fazer umas suposições. Por exemplo eu poderia dizer: “As empresas X e Y foram citadas na Operação Zelotes. Eu suponho que elas sejam corruptas”. Poderia concluir isso? Não. De maneira alguma!. Não há – ao menos até agora - nenhuma decisão de justiça que me autorize a pensar isso. Eu seria um inconseqüente se fizesse tal afirmação sem que houvesse uma decisão final que as condenassem.  Querem outro exemplo? Naquela operação que acabou com a prisão de Carlos Cachoeira e a cassação do senador Demóstenes, um dos diretores da Revista Veja foi notado porque realizara mais de 200 ligações para o doleiro. Posso supor que ele ou a revista que ele representava também estavam envolvidos na trama? Não! Ainda mais que as investigações não mencionaram mais o assunto. Posso supor, apenas, que os contatos poderiam ser somente sobre assuntos triviais como falar sobre o tempo ou combinar alguma pescaria entre amigos. Quando a honra das pessoas está em jogo devemos ter um compromisso conosco mesmos de termos o maior cuidado com aquilo que concluímos. Há um ditado oriental que lembra que uma palavra e uma seta depois de disparada não voltam mais a sua origem.

Não estou querendo dizer com isto que escrevi que atribuo culpa ou inocência a qualquer dos envolvidos. Não é o quero debater. Lembro aqui a decisão da nossa mais alta Corte de Justiça que condenou os réus do famoso processo do mensalão, após amplos debates, utilizando a teoria do domínio do fato, que condena “sem provas”. Que me perdoem suas excelências, mas a sociedade é que perdeu uma excelente oportunidade de saber realmente se aquelas pessoas eram culpadas ou inocentes. Se elas mereciam ou não a confiança que lhes fora depositada. Pior: nunca mais saberemos. A não ser que um dia, algum sábio resolva ir até as últimas conseqüências e, mesmo assim, a justiça já terá sido feita (se forem culpados) ou a injustiça já terá sido cometida (se forem inocentes). Eu penso que uma decisão mais política do que jurídica jogou a questão em um beco sem saída. Os julgadores quiseram atender uma pretensa voz da opinião pública açulada pela mídia contrária ao governo ao qual pertenciam alguns dos acusados.

As decisões a serem tomadas em tempos difíceis são, também, difíceis. Entre as difíceis estão as possíveis e as não-possíveis. As escolhas são sempre humanas e, por mais, qualificação que se tenha sempre podemos errar. O importante nestes momentos é que haja muito debate sem que as partes decidam, a priori, que apenas uma das partes pode ganhar e que a outra perca tudo.

Ficam aqui estas considerações e que os leitores possam chegar, também, a suas próprias conclusões. O desejável é que cheguemos ao nosso posicionamento a partir de um contraditório que nos deve ser apresentado sem nenhuma escamoteação midiática.