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segunda-feira, 27 de julho de 2015

Travesti jaguarense é assassinada a tiros em Passo Fundo

Morte engrossa a triste estatística que coloca o Brasil como campeão mundial de crimes homofóbicos

O final de semana (17/07) foi marcado por uma triste notícia para os familiares da travesti Gaby Rodriguez, de 32 anos. Ela foi executada com três tiros, na cidade de Passo Fundo, onde residia há dois meses. O crime aconteceu por volta das 23h30min, na esquina das ruas Coronel Camisão e Independência, na vila Popular, próximo ao Sesi.

A vítima não portava nenhum documento que possibilitasse a sua identificação. Familiares, residentes em Jaguarão, tomaram conhecimento da morte e pelo apelido suspeitaram que pudesse ser a familiar. Com isso, Magda Regina Rodrigues Velasques, mãe de Gaby, foi a Passo Fundo e reconheceu o corpo da (o) filha (o).

Segundo uma testemunha, a vítima e outras duas travestis estavam no local quando chegou uma moto. Após uma rápida conversa, o condutor da moto sacou de uma arma e atirou quase à queima-roupa. A travesti morreu na hora com um tiro no ombro direito, um no pescoço e outro na cabeça.

O atirador fugiu em direção ao Hospital Municipal Dr. César Santos e desapareceu. As outras duas travestis saíram do ponto antes da chegada da Brigada Militar. Populares revelaram à polícia que ela trabalhava no local há umas duas semanas. Tudo indica que o assassino era cliente de Gaby.

O caso está sendo investigado pela Delegacia Especializada em Homicídios e Desaparecidos (DEHD). Os agentes da DEHD estão à procura do suspeito, que poderá ter a prisão preventiva solicitada, a não ser que se apresenta à polícia nas próximas horas.

Número de assassinatos de homossexuais cresce 31% no Brasil

“Mais uma que se torna estatística no meio de uma sociedade hipócrita que nos julga diferentes, que nos rótula como anormais, que nos empurra um título de marginalizados. Até quando? Até quando? E eu mesma respondo. Sempre. Porque a evolução dos nossos direitos anda a lerdos passos. E eu diria mais. Anda mais pra trás do que pra frente. Que descanse em paz Gaby Rodriguez o sofrimento pra ti acabou amiga. Não precisa mais enfrentar essa sociedade doente, preconceituosa e mesquinha. Infelizmente torna-se apenas mais um número...”, manifestou Kamilly Bitencourt, na página do Facebook de Gaby Rodriguez.

Infelizmente o assassinato de Gaby engrossa a triste estatística que coloca o Brasil como campeão mundial de crimes homofóbicos. O risco de um homossexual ser assassinado no Brasil é 785% maior que nos Estados Unidos. Os dados foram disponibilizados pelo Grupo Gay da Bahia, e são de 2010. De acordo com a pesquisa o número de assassinatos de homossexuais, travestis e lésbicas aumentou em 31,3% no ano de 2010, se comparado com os números de 2009 (com 260 casos), ante 198 em 2009.

De acordo com um dos fundadores do Grupo Gay da Bahia, o antropólogo Luiz Mott, a luta é por ações afirmativas pelo fim dos crimes homofóbicos. “Os representantes da causa LGBT não querem privilégios, isenção de impostos nem cotas, como tem sido dito. Queremos isonomia de direitos, além da criminalização da homofobia nos moldes do racismo e a equiparação do casamento”.

Carlos Magno Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, diz que uma das principais reivindicações é que o governo estimule a produção de dados oficiais sobre violações contra gays, o que seria facilitado pela criminalização da homofobia. “O debate LGBT e o combate à homofobia não podem ser assuntos moral e religioso, têm que ser um assunto político”.

Congresso nacional atual é o mais conservador da história

Quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) derrotou o governo e se elegeu presidente da Câmara dos Deputados Federais não significou apenas a derrota do Palácio do Planalto no quesito articulação, mas de todos os setores progressistas do Brasil. Prova disso é que, em menos de 12 horas, Cunha desarquivou um Projeto de Lei de sua autoria que visa instituir o “Dia do Orgulho Heterossexual”, que tem por objetivo proteger a sociedade da “heterofobia” e deu regime de urgência à votação do Estatuto da Família, que torna oficial a marginalização das famílias homoparentais e a certificação das uniões entre pessoas do sexo oposto.

Eduardo Cunha não veio para brincar. Logo que chegou ao poder da Câmara, ativistas dos Direitos Humanos já previam o pior, mas também se pensava que, estando no poder, Cunha não retomaria a agenda que lhe deu visibilidade. Ledo engano, o atual presidente da Câmara dos Deputados cumpre ao pé da letra quando diz que apenas “por cima do seu cadáver” haverá a criminalização da homofobia, legislação do aborto e regulamentação dos meios de comunicação. Estas pautas não vão entrar no Congresso Nacional e, infelizmente, o Palácio do Planalto não dá sinais de que vá se indispor por elas. De fora para dentro, nos próximos quatro anos, a luta será para não permitir retrocessos na parca legislação sobre assuntos da agenda progressista.

Mas, é preciso descer um pouco mais para se ter uma dimensão melhor do significado de Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Primeiro, ele é apenas um nome que carrega consigo tudo o que há de mais retrógrado na política e sociedade brasileira: machismo, homofobia, conceitos fundamentalistas de sociedade, proselitismo com os setores empresariais. O atual presidente da Câmara é personagem de um grupo político coordenado por lideranças evangélicas que, desde 2003, se instalaram no Congresso Nacional e elegeram as agendas do aborto, gênero e LGBT como inimigos nº 1 e, de lá para cá, impuseram sucessivas derrotas a estas agendas. Porém, organizados como são, sempre tiveram como prisma de poder tomar de assalto o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.

E o que é, de fato, a agenda do grupo de parlamentares fundamentalistas que hoje comandam o Congresso Nacional? Mais do que figuras religiosas obscurantistas, este grupo retoma conceitos sobre sociedade e humanidade que nos levam de volta para o século XIX, quando as teses de eugenia estavam muito em voga. Estes grupos pensam a sociedade a partir de uma hierarquização social, racial e de gênero: são aceitos aqueles que vivem para reproduzir e propagar a espécie humana; negros, índios e LGBT são considerados sujeitos “menores” ou “não-humanos”; mulheres são seres de segunda classe que existem para parir e servir aos homens. A esta forma de organização social, o filósofo Michel Foucault chamou de “anátomo-política” ou “bio-política”, quando o gerenciamento da vida e o controle social se tornaram fundamentais para o Estado liberal, este, aliado aos poderes policiais, medicinais e religiosos.

Fontes: Correio do Povo e Revista Forum

Edição de 22/07/2015 Ano VI nº 222