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terça-feira, 13 de outubro de 2015

Coluna Gente Fronteiriça - Câmbio flutuante

Por Jorge Passos

Para quem é um fronteiriço genuíno, as oscilações cambiais da moeda não surpreendem de maneira nenhuma. Lá pelos anos 60 do século passado morávamos no Rio Branco, onde meu pai tinha loja, a Casa Azpiroz. Naquela época, não se falava em dólar, o que interessava mesmo era a cotação do peso em relação ao cruzeiro. Mas o Tio Ruivo, homem da campanha e que tinha vindo morar conosco, pois já não estava em condição de ficar sozinho no seu rancho no Telho, era mais resistente às modernidades. Lembro que era muito arisco para o banho mensal, o que, apesar dos seus protestos, minha mãe havia estipulado como mínimo. Volta e meia me pedia para comprar gasolina para se afumentar as pernas. Eu ia na venda do Seu Libório, que ficava ali perto do Liceo velho, onde hoje tem uns quiosques de lanches. “Essa gasolina é santo remédio para a coceira” dizia ele, fazendo o palheiro. Quando o assunto era dinheiro, o termo utilizado por meu velho tio avô ainda era réis. Tantos réis pra cá, tantos contos de réis pra lá! “Isso é um disparate! Sabes quanto está uma caixa de goiabada no Oscar Amaro? 200 réis!”

Minha mãe prezava os horários. Almoço ao meio dia, sempre. Depois, à uma hora, todos nós ficávamos em silencio absoluto pois o pai começava a escutar o informativo da Rádio Carve de Montevidéu cuja parte mais importante era a cotação do peso. Nós sabíamos que disso dependia o movimento da loja. Apesar da nossa ignorância em relação às variáveis econômicas, sabíamos que da palavra “movimento” e suas alterações de direção, para cima ou para baixo, dependiam nossos maiores desejos de ser presenteados com um brinquedo novo da Casa Cosmos, do Seu Eurídio, ali na esquina da XV de Novembro com a Carlos Barbosa em Jaguarão. Meu sonho de consumo, depois de ter visto o Ben Hur, era uma quadriga de cavalos com penachos, igual à do Charlton Eston, protagonista e herói do filme de romanos. Era de madeira torneada, ainda não tinha surgido o brinquedo de matéria plástica e eram todos caríssimos. “Quando as coisas melhorarem” tu ganhas, dizia meu pai.

Nos tempos de crise, quando já não vinham os compradores de Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande e até os de Jaguarão escasseavam, nas mesas de exposição das mercadorias da loja, já não se viam cobertores Aurora, blusas Burma ou lanas del Uruguay. Ali, luziam flamantes, abóboras, espigas de milho verde, mugangos, melancias e melões, produtos trazidos da chácara do Telho. E assim era, até a próxima flutuação do câmbio, peso caindo, movimento subindo, quando voltavam as viagens a Montevidéu para buscar novidades e lançamentos. Vida de fronteiriço.


Edição de 07/10/2015 Ano VI nº 233









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