Esta semana ouvi o
locutor de uma rádio, espantado, anunciar o cachê do Padre Fábio
de Melo no Maior São João do Mundo. Também fiquei surpreso: 180
mil reais. No meu tempo Padre só recebia o dízimo. Mas, o valor do
cachê não me espantou tanto. Isso é fruto de uma relação fria de
mercado, onde a fé “costuma faiá”. O preço é este porque tem
quem pague. Me espantou muito mais o miolo da conversa. O assunto era
o “redimensionamento” da programação oficial, já anunciada, de
onde excluíram artistas como Lucy Alves e Zé Ramalho. Paraibanos da
gema e plenamente identificados com a tradição junina. Ora, o cachê
do Padre pagava Zé e Lucy com sobras. Se era para economizar, o que
justificou a escolha? O fato é que a programação do Maior São
João do Mundo vem pisando na bola faz tempo. Atrações que não
possuem qualquer identidade com a tradição junina estão
“anabolizando” o evento. Mas, isso não é tudo.
Estamos mesmo vivendo
tempos bem estranhos para a arte e para a cultura no Brasil. Temos
avanços consideráveis, mas as derrotas são abismais. Até o
Ministério Público, com sua espada brilhante, pouco dialoga e muito
degola. Mas, na margem da política de grandes eventos que domina o
nosso país acontecem coisas inaceitáveis. Há uma crescente
criminalização e uma cruzada para o extermínio da arte e da
genuína cultura brasileira. Seja tradicional ou contemporânea. Uma
tragédia anunciada que avança a cada dia sobre os nossos silêncios.
Outro exemplo? Há uns quatro anos, a poeta Telma Scherer foi parar
numa delegacia por estar fazendo uma performance literária na
tradicional Feira do Livro de Porto Alegre. A alegação dos
denunciantes é que a mesma estava “atrapalhando o fluxo”. Mais
uma vez, portanto, o delírio financeiro apunhalando a arte.
Em Pernambuco, este
ano, chegou-se às raias do absurdo. Um deputado apresentou um
projeto de lei limitando e até excluindo a ação dos artistas de
rua – esses guerreiros que espalham alegria em cenários muitas
vezes tão macambúzios. O mais grave é que a Assembleia Legislativa
de Pernambuco aprovou esta ameba legislativa e o governador
sancionou. Ou seja: estamos vivendo tempos cada vez mais difíceis
para artistas e brincantes. Aqui e ali estão excluindo e
marginalizando a arte e a cultura. Aniquilando nossa identidade. Tudo
em nome das multidões formadas pela milionária indústria do
entretenimento. Se temos alguma coisa a ver com isso? Claro que sim.
Afinal, estamos debaixo da mesma lona. Ou organizamos nossa alegria,
ou seremos arrastados pela tristeza desta silenciosa inquisição. O
poeta Gregório de Mattos, sempre atual, já dizia: “Neste mundo é
mais rico, o que mais rapa: (...) Quem dinheiro tiver, pode ser
papa.”
* Lau Siqueira,
poeta e escritor jaguarense radicado em Joaõ Pessoa. Atualmente
exerce o cargo de Secretário de Cultura do Estado da Paraíba.
Edição
de 24/06/2015
Ano VI nº 218
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