O
oportunismo imediato de uma minoria derrotada pelo PT junto à luta
de classes em mais uma eleição, não mediu forças, inteligência,
e muito menos argumentos cognitivos à sua revolta. Numa trapalhada
estratégia de pressionar o governo tentando atiçar a força popular
e a camada pensante da sociedade, que não é pouca, utilizou-se da
implacabilidade quase letal da mídia, e do financiamento
empresarial/partidário, fazendo alarde e levando às ruas um
inexpressivo número de pessoas, tratando-se da gigantesca população
de habitantes da velha República das Bananas. Um para duzentos e
dois, na língua das apostas. O passado domingo vai ficar para a
história do deboche contracultural, mas não evitará que mais
adiante alguns governos venham a elevar esta data como forma de
vitória, como assim o fizeram em datas vergonhosas que comemoramos
até hoje, com esmero e dedicação. O que se viu no domingo passado
foi um reality show que misturou, a programação nobre da tv
sensacionalista, entendam-se como as três maiores emissoras
televisivas no arquivo confidencial e a novela do tititi da vida,
juntamente com o resgate do brasilianismo, movimento gerado lá nos
anos 30, quando a academia científica norte americana enviou seus
jovens para deliberadamente começar a implantar seu ímpeto de
domínio através de suas espionagens perante a soberania de
resguardo da cultura nacional, e por fim, uma parcela esquizofrênica,
típica dos vivos mortos que habitam os centros das grandes
metrópoles na claustrofóbica prática de venerar o sistema. Contudo
ali, também nascia a manipulação da maneira de ver nossas próprias
culturas, numa alquimia da americanização das coisas, isso,
notoriamente, até os dias de hoje (busque brasilianismo não se
acanhe).
Enquanto
se construía e se constrói, ao longo destes últimos 12 anos, um
Brasil com invejáveis avanços sociais, o que a priori revelava um
país representado pelas inúmeras desigualdades, uma massa, porém
pequena para o tamanho do povo brasileiro, urge em descontrole
intelectual pelas ruas do país, contraditoriamente, batendo cabeça
no mais sórdido financiamento midiático que já se viu. Nas
principais avenidas e costeiras de algumas cidades e em algumas
partes do território nacional, perceberam-se as infinitas sequelas
deixadas pelos matizes cinzas da trágica história que nos precede,
reverberou entre as épocas coloniais, a ditadura militar dos anos 60
e 70, e o covarde golpe capital, selvagem e voraz da neo liberação
que hoje resulta na parte mesquinha de uma nação. Mas nos lineares
da história recente e paulatinamente, escreveram-se os capítulos
mais lindos e impossíveis, jamais lidos no livro da vida dos
brasileiros, onde um povo, cansado de sofrer com a hegemonia
ditatorial da escravidão e o preconceito, manifestou-se de verdade e
mudou uma história que adormecia a mais de 500 anos.
Desde os
anos oitenta em meio ao turbilhão e a intoxicação que meio capital
tomava, à deriva de trotes desenfreados, nascia o PT, o mesmo que
hoje é aclamado como vilão dos partidos, vinha naquele então,
mudar a história de um país em decadência moral, onde a fome o
punha no mapa do quarto mundo, sucumbindo à miséria. Pois bem que
se diga, a construção de uma nova ordem social e um novo modelo
político de inclusão foi criada por esse mesmo PT, um socialista de
vanguarda com forte apelo popular que articulou-se entre as
traumáticas lembranças da ditadura e que viria a repartir igualdade
para mais de 50 milhões de brasileiros, 50 vezes mais que o público
de domingo passado. Estamos falando de mais de cinquenta milhões de
famintos e indigentes, contra um milhão de pessoas que nunca
estiveram na faixa da miséria, apenas da pobreza (de espírito)
cinquenta para um, na língua e na síntese das comparações.
Entretanto e não mais tanto, mas voltando a aberração do dia 15,
tivemos por parte do público participante um festival de
contradições que demonstra não só para nós, mas sim para o
mundo, de como somos ignorantes, no alto da palavra, pois mesmo com
uma vergonha alheia semelhante ao tamanho da pátria, tivemos que
participar, mesmo que indireta ou contrariamente, da exposição, ao
cume do ridículo. A população de pseudo manifestantes que tiraram
sua bunda do sofá e saíram a abençoar suas cabecinhas pelo clero,
não contentou-se em vestir a camiseta que não vestiu na copa, a da
CBF, instituição publicamente torrada pela corrupção, e gritou
contra a corrupção, mas também gritou com muito orgulho à volta
da ditadura, enquanto procurava-se desesperadamente pela miscigenação
das raças, mestiços, pardos, negros, sararás, latino brasileiros,
por que será? Será que há de se pensar, ou é pura implicância?
Total né, o que importam os genocídios que criaram o braço forte
da identidade do país né?
Enquanto
isso crianças carregavam faixas e cartazes com a mesma falta de
ortografia dos pais, e misturavam frases que não faziam sentido que
até pro Paulo Freire sobrou, e pro Aguinaldo Rossi. Dispensa
comentários, os curiosos que procurem no google. Mas os gritos que
mais se ouviam, além do fora PT, eram entrelaçados pela volta do
regime militar e a democracia, sem dar-se de conta que um não casa
com o outro, se não houvesse democracia e houvesse regime, estariam
todos presos pelas besteiras, pelas ofensas e pela singela e ingênua
liberdade de expressão facebookeana. Logo torturados, logo, isca de
tubarão. Mas os absurdos não param por aí, houve tenebrosos grupos
de apoio à passeata, e os mesmos candidatos eleitos em prol da
homofobia entre outros pré-conceitos estavam lá, então quando se
levanta uma bandeira está se apoiando a passeata toda, entre
cúmplices que se entendam. Não se viu uma bandeira sequer
implorando pela falta de água, o ouro cristalino não entrou na
lista das exigências, que raro não? Chorou-se por gasolina, mas não
caiu uma lágrima quando o assunto era fome, não importa. Esse é o
povo do terceiro turno, o povo que inventou uma forma de não sair
perdendo, o povo que, quer fazer que todos, até os vitoriosos
percamos. O terceiro turno foi o mais visto, acompanhado, foi o mais
pop, foi um ato político, social, de revolta, de certezas e
incertezas. O terceiro turno tinha cara de gol, de grito final, de
revanche, de vingança, de prato frio. Mas voltando aos números...que
coisa linda, os números, num melhor de 3 é que nem jogo de truco,
la primera en casa, depois é só matar a segunda, num terceiro turno
não chega nem a ser amistoso, é voto nulo, perdeu playboy, em tua
língua? Game Over.
Edição
de 18/03/2015 Ano IV nº 204