Enforcamento de George Engel, Adolf Fischer, Albert Parsons e August Spies, em Chicago Eles lutavam pela jornada de 8 horas de trabalho. 1887 |
No
final do século XIX, nos Estados Unidos, anarquistas, sindicatos
embrionários e jornalistas contra-hegemônicos lutaram pela jornada
de 8 horas. Os líderes foram enforcados, mas a vitória repercute
ainda hoje — e diz algo sobre as lutas futuras.
Por Altamiro
Borges,
em seu
blog
“Se
acreditam que nos enforcando podem conter o movimento operário, esse
movimento constante em que se agitam milhões de homens que vivem na
miséria, os escravos do salário; se esperam salvar-se e acreditam
que o conseguirão, enforquem-nos! Então estarão sobre um vulcão,
e daqui e de lá, e de baixo e ao lado, de todas as partes surgirá a
revolução. É um fogo subterrâneo que mina tudo”. (Augusto
Spies, 31 anos, diretor do jornal “Diário dos Trabalhadores”)
“Se
tenho que ser enforcado por professar minhas idéias, por meu amor à
liberdade, à igualdade e à fraternidade, então nada tenho a
objetar. Se a morte é a pena correspondente à nossa ardente paixão
pela redenção da espécie humana, então digo bem alto: minha vida
está à disposição. Se acreditam que com esse bárbaro veredito
aniquilam nossas idéias, estão muito enganados, pois elas são
imortais”. (Adolf
Fischer, 30 anos, jornalista)
“Em
que consiste meu crime? Em ter trabalhado para a implantação de um
sistema social no qual seja impossível o fato de que enquanto uns,
os donos das máquinas, amontoam milhões, outros caem na degradação
e na miséria. Assim como a água e o ar são para todos, também a
terra e as invenções dos homens de ciência devem ser utilizadas em
benefício de todos. Suas leis opõem-se às da natureza e
utilizando-as vocês roubam às massas o direito à vida, à
liberdade e ao bem-estar”. (George
Engel, 50 anos, tipógrafo)
“Vocês
acreditam que quando nossos cadáveres tiverem sido jogados à fossa
tudo terá acabado? Acreditam que a guerra social se acabará
estrangulando-nos barbaramente. Pois estão muito enganados. Sobre
este veredito cairá o do povo americano e do povo de todo o mundo,
para demonstrar a injustiça de vocês e as injustiças sociais que
nos levam ao cadafalso”. (Albert
Parsons, quue havia lutado na guerra da secessão nos EUA)
As
corajosas e veementes palavras destes quatro líderes do jovem
movimento operário dos EUA foram proferidas em 20 de agosto de 1886,
pouco após ouvirem a sentença do juiz condenando-os à morte. Elas
estão na origem ao 1º de Maio, o Dia Internacional dos
Trabalhadores. Na atual fase da luta de classes, em que muitos
aderiram à ordem burguesa e perderam a perspectiva do socialismo,
vale registrar este marco histórico e reverenciar a postura
classista destes heróis do proletariado. A sua saga serve de
referência aos que lutam pela superação da barbárie capitalista.
A
origem do 1º de Maio está vinculada à luta pela redução da
jornada de trabalho, bandeira que mantém sua atualidade estratégica.
Em meados do século XIX, a jornada média nos EUA era de 15 horas
diárias. Contra este abuso, a classe operária, que se robustecia
com o acelerado avanço do capitalismo no país, passou a liderar
vários protestos. Em 1827, os carpinteiros da Filadélfia realizaram
a primeira greve com esta bandeira. Em 1832, ocorre um forte
movimento em Boston que serviu de alerta à burguesia. Já em 1840, o
governo aprova o primeiro projeto de redução da jornada para os
funcionários públicos.
Greve
geral pela redução da jornada
Esta
vitória parcial impulsionou ainda mais esta luta. A partir de 1850,
surgem as vibrantes Ligas das Oito Horas, comandando a campanha em
todo o país e obtendo outras conquistas localizadas. Em 1884, a
Federação dos Grêmios e Uniões Organizadas dos EUA e Canadá,
futura Federação Americana do Trabalho (AFL), convoca uma greve
nacional para exigir a redução para todos os assalariados, “sem
distinção de sexo, ofício ou idade”’. A data escolhida foi 1º
de Maio de 1886 – maio era o mês da maioria das renovações dos
contratos coletivos de trabalho nos EUA.
A
greve geral superou as expectativas, confirmando que esta bandeira já
havia sido incorporada pelo proletariado. Segundo relato de Camilo
Taufic, no livro Crônica
do 1º de Maio,
mais de 5 mil fábricas foram paralisadas e cerca de 340 mil
operários saíram às ruas para exigir a redução. Muitas empresas,
sentindo a força do movimento, cederam: 125 mil assalariados
obtiveram este direito no mesmo dia 1º de Maio; no mês seguinte,
outros 200 mil foram beneficiados; e antes do final do ano, cerca de
1 milhão de trabalhadores já gozavam do direito às oito horas.
“Chumbo
contra os grevistas”, prega a imprensa
Mas
a batalha não foi fácil. Em muitas locais, a burguesia formou
milícias armadas, compostas por marginais e ex-presidiários. O
bando dos “’Irmãos Pinkerton” ficou famoso pelos métodos
truculentos utilizados contra os grevistas. O governo federal acionou
o Exército para reprimir os operários. Já a imprensa burguesa
atiçou o confronto. Num editorial, o jornal Chicago
Tribune esbravejou:
“O chumbo é a melhor alimentação para os grevistas. A prisão e
o trabalho forçado são a única solução possível para a questão
social. É de se esperar que o seu uso se estenda”.
A
polarização social atingiu seu ápice em Chicago, um dos pólos
industriais mais dinâmicos do nascente capitalismo nos EUA. A greve,
iniciada em 1º de Maio, conseguiu a adesão da quase totalidade das
fábricas. Diante da intransigência patronal, ela prosseguiu nos
dias seguintes. Em 4 de maio, durante um protesto dos grevistas na
Praça Haymarket, uma bomba explodiu e matou um policial. O conflito
explodiu. No total, 38 operários foram mortos e 115 ficaram feridos.
Os
oito mártires de Chicago
Apesar
da origem da bomba nunca ter sido esclarecida, o governo decretou
estado de sítio em Chicago, fixando toque de recolher e ocupando
militarmente os bairros operários; os sindicatos foram fechados e
mais de trezentos líderes grevistas foram presos e torturados nos
interrogatórios. Como desdobramento desta onda de terror, oito
líderes do movimento — o jornalista Auguste Spies, do Diário
dos Trabalhadores,
e os sindicalistas Adolf Fisher, George Engel, Albert Parsons, Louis
Lingg, Samuel Fielden, Michael Schwab e Oscar Neebe — foram detidos
e levados a julgamento. Eles entrariam para a história como “Os
Oito Mártires de Chicago”.
O
julgamento foi uma das maiores farsas judiciais da história dos EUA.
O seu único objetivo foi condenar o movimento grevista e as
lideranças anarquistas, que dirigiram o protesto. Nada se comprovou
sobre os responsáveis pela bomba ou pela morte do policial. O juiz
Joseph Gary, nomeado para conduzir o Tribunal Especial, fez questão
de explicitar sua tese de que a bomba fazia parte de um complô
mundial contra os EUA. Iniciado em 17 de maio, o tribunal teve os 12
jurados selecionados a dedo entre os 981 candidatos; as testemunhas
foram criteriosamente escolhidas. Três líderes grevistas foram
comprados pelo governo, conforme comprovou posteriormente a irmã de
um deles (Waller).
A
maior farsa judicial dos EUA
Em
20 de agosto, com o tribunal lotado, foi lido o veredicto: Spies,
Fisher, Engel, Parsons, Lingg, Fielden e Schwab foram condenados à
morte; Neebe pegou 15 anos de prisão. Pouco depois, em função da
onda de protestos, Lingg, Fielden e Schwab tiveram suas penas
reduzidas para prisão perpétua. Em 11 de novembro de 1887, na
cadeia de Chicago, Spies, Fisher, Engel e Parsons foram enforcados.
Um dia antes, Lingg morreu na cela em circunstâncias misteriosas; a
polícia alegou “suicídio”. No mesmo dia, os cinco “’Mártires
de Chicago” foram enterrados num cortejo que reuniu mais de 25 mil
operários. Durante várias semanas, as casas proletárias da região
exibiram flores vermelhas em sinal de luto e protesto.
Seis
anos depois, o próprio governador de Illinois, John Altgeld, mandou
reabrir o processo. O novo juiz concluiu que os enforcados não
tinham cometido qualquer crime, “tinham sido vitimas inocentes de
um erro judicial”. Fielden, Schwab e Neebe foram imediatamente
soltos. A morte destes líderes operários não tinha sido em vão.
Em 1º de Maio de 1890, o Congresso dos EUA regulamentou a jornada de
oito horas diárias. Em homenagem aos seus heróis, em dezembro do
mesmo ano, a AFL transformou o 1º de Maio em dia nacional de luta.
Posteriormente, a central sindical, totalmente corrompida e
apelegada, apagaria a data do seu calendário.
Em
1891, a Segunda Internacional dos Trabalhadores, que havia sido
fundada dois anos antes e reunia organizações operárias e
socialistas do mundo todo, decidiu em seu congresso de Bruxelas que
“no dia 1º de Maio haverá demonstração única para os
trabalhadores de todos os países, com caráter de afirmação de
luta de classes e de reivindicação das oito horas de trabalho”. A
partir do congresso, que teve a presença de 367 delegados de mais de
20 países, o Dia Internacional dos Trabalhadores passou a ser a
principal referência no calendário de todos os que lutam contra a
exploração capitalista.
Filme "Os Companheiros" de Mário Monicelli com Marcello Mastroiani, que mostra a luta pela redução da jornada de trabalho em uma fábrica de tecelagem em Turim, Itália, 1900.