Por Dario Garcia*
Por
trás da onda de histeria verde-amarela que ganhou as ruas, empurrada
pelo raivoso zelo inquisitorial golpista que inflama os grandes meios
de comunicação brasileiros, há razões não declaradas,
desconhecidas pela imensa maioria dos que gritam ou calam, e que,
portanto, reclamam uma análise além da fachada.
Há
um espírito de golpe em cerne, e para que ele aconteça é preciso
antes escamotear toda e qualquer legitimidade que possa salvar a
honra da presidenta Dilma, e só então dar o bote peçonhento que
decapite o governo. Esse golpe, larvado em outubro de 2014, não será
militar mas sim econômico e financeiro, e terá uma máscara de
legalidade, forjado fajutamente por um Congresso corrupto, com um
misto de indignação popular insuflada e manipulada pela mídia,
medidas judiciais esdrúxulas, sabotagens, traições, ameaças e
muita cafajestada ao velho estilo da direita golpista. Mas não se
iludam os bravos tupiniquins verde-amarelos que aderirem à moda
conspirativa, porque esse golpe não será nacional, apesar de seu
camaleônico sentimentalismo vingativo, que soube combinar a
performance com as cores da simbologia pátria. Será uma farsa como
a que se impôs desde fora, na Ucrânia, na Venezuela, na Líbia e
na Síria. Talvez com menos violência e muito menos sangue,
semelhante à ditadura tecnocrata de Macri e seus credores abutres de
Wall Street, e por isso mesmo, não menos nefasta para o país e sua
população midiaticamente manipulada.
Vou
dar alguns exemplos do que está oculto à maioria da opinião
pública brasileira.
Um
ponto a destacar é o BRICS e as relações Brasil-China. Um segundo
aspecto tem a ver com a Petrobrás e suas parcerias, mas também diz
respeito às demais empresas públicas brasileiras. Um terceiro item a se levar em consideração, nos remete às eleições municipais deste ano 2016 e às presidenciais de 2018, além das Olimpíadas do
Rio-2016. Nesse artigo vou dar destaque aos pontos 1 e 2: BRICS e
PETROBRAS.
O
BRICS é hoje o principal bloco econômico do planeta. Juntos,
Brasil, Rússia, Índia, China e a África do Sul detêm 42% do PIB
mundial, portanto há quem pretenda quebrar essa aliança. Dito isto,
é bom considerarmos a assinatura, em outubro de 2015, do Tratado
Transpacífico de Comércio Livre (TTP, pela sua sigla em inglês),
que inclui, além dos Estados Unidos, a Austrália, Brunei, Canadá,
Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e
Vietnã. O TTP será de grande vantagem para as empresas norte-americanas, mas porá em risco as indústrias nacionais e até a
legislação trabalhista, ambiental, aduaneira e comercial dos países
assinantes, os que, em caso de litígio com as multinacionais
ianques, deverão se submeter ao veredito da OMC (Organização
Mundial do Comércio) monopolizada pelos Estados Unidos. Ou seja, as
multinacionais farão o que melhor lhes convenha num território, sem
serem obrigadas a obedecer as leis desse país.
No
contexto BRICS temos dois mega-projetos na América Latina que
incomodam os norte-americanos: o primeiro deles é o grande canal que a
China e a Rússia estão construindo em parceria com a Nicarágua.
Esse projeto tem previsão de que seja concluído até o ano que vem
—2017—. O Canal da Nicarágua terá uma largura e um comprimento
três vezes superior ao do Canal do Panamá, que é de fato
administrado pelos norte-americanos, e cabe supormos que movimentará
um grande fluxo de navios mercantes, dos países do BRICS e de seus
múltiplos sócios. O segundo mega-projeto é uma parceria entre a
China, o Brasil, o Peru e a Bolívia. Trata-se de uma rede
ferroviária que conectará os portos do Rio de Janeiro e de Callao,
no Perú, passando também por território boliviano. O acordo foi
assinado em maio de 2015 pela presidenta Dilma Rousseff e o primeiro
ministro chinês Li Kekiang. Pode-se imaginar o enorme volume de
negócios que será feito entre a Ásia e a América do Sul,
economizando dinheiro e dias de frete.
Ainda
que o Brasil não entrasse nessa canoa furada —e acredito que não
o fará— o golpe em andamento, estimulado pelo Departamento de
Estado norte-americano, sabotaria os projetos BRICS, seu concorrente
direto, prejudicando à China e seus sócios, Brasil entre eles.
A
hipocrisia midiática atual usa no país a cortina de fumaça do
affaire Petrobras. A deturpação dos fatos ignora a maioria dos
corruptos e põe a lupa no PT e nas empresas públicas, alvos a ser
execrados pela ditadura midiática totalmente a serviço dos norte-americanos e de seus laranjas tupiniquins. Com essa desculpa se
privatizaram nos anos '90 os serviços de telefonia fixa e móvel no
país, que ficaram mais caros. Hoje essas empresas estão entre as
que mais processos judiciais recebem devido à agiotagem e os abusos
no trato com os clientes. Qualquer usuário de telefonia celular no
Brasil pode confirmar esse fato, o que nos levaria a supor, por
analogia, que é preciso voltarmos a estatizá-las para termos um
serviço decente, que não sugue e abuse dos usuários impunemente.
No Uruguai, a telefonia e a internet são mormente estatais, o
serviço é de boa qualidade e o preço menor do que no Brasil.
Estranho, né? Em comércio, quem vende maior quantidade de um
produto pode baratear custos; porque então quanto mais crescem as
operadoras de telefonia celular no Brasil, pior e mais caros ficam
seus serviços?
Vejamos
alguns outros pontos obscuros não esclarecidos pela mídia. A
Petrobras é a maior empresa estatal do mundo, e é lucrativa.
Segundo, ela é uma parceria público-privada, gerenciada pela União,
tendo ações de particulares em seu capital ativo. Terceiro, o petróleo está a um preço internacional artificialmente baixo, e
nessa conjuntura —a privatização da empresa ou de seu produto—
seria o momento ideal para tal investimento: os valores em breve
tenderão a crescer. Quarto, durante as gestões petistas de Lula e
Dilma foram descobertas enormes reservas de petróleo nas camadas
chamadas do pré-sal.
Quinto, a Petrobrás é uma das poucas empresas
com capacidade técnica para explorar petróleo em águas profundas e
o Brasil também fabrica em território nacional suas plataformas de
exploração. Portanto seria um extra técnico, de mão beijada para
os gringos, caso fosse privatizada de vez, tendo ao seu dispor as
enormes reservas descobertas nas bacias de Campos, Santos e Espírito
Santo. Sexto, o grande privatista, senador José Serra (PSDB)
apresentou no Senado um projeto de lei para privatizar a exploração
do petróleo, ou seja, já que não conseguiu vender a Petrobras,
melhor quebrá-la, tirando dela o produto nacional que a mantém: o
petróleo. Sétimo, desde 1974, o dólar deixa de ser uma moeda
legalmente sustentável, e sai do tratado de Bretton Woods que
estabelecia o patrão ouro para respaldar o seu valor de troca. O que
mantém a moeda americana como estândar é o controle do comércio
petrolífero, a sua hoje suspeita aura de moeda forte e a supremacia
militar estado unidense. Oitavo, em 2015 a China, a Rússia e outros países criaram o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura,
passo prévio para o estabelecimento de um novo sistema financeiro
que desafia a agiotagem do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional. Os juros pelos empréstimos do Banco Asiático serão
os menores em todo o sistema financeiro internacional, o que de plano
ameaça o sistema predatório imposto pelos Estados Unidos e aliados,
que esmagam os países pobres e dependentes com taxas draconianas via
FMI e Banco Mundial. Nono, o longo ciclo de crescimento da economia,
da indústria e do comércio chineses só poderia ser quebrado por
meio de uma guerra mundial —última hipótese a se considerar—
ou obstaculizando o acesso chinês ao petróleo. Essa é uma das
estratégias norte-americanas para frear ou retrasar o poderio do
grande dragão asiático.
Portanto,
nesse complexo tabuleiro do xadrez mundial, cabe ao Brasil escolher o
jogo das brancas ou das pretas. As brancas foram a escolha feita
pelos Estados Unidos: o seu jogo é agressivo, de ataque permanente.
A China joga com as pretas: o grande dragão, mestre da paciência,
observa o avanço ofegante do reino do norte. Fraqueza ou estratégia?
É
verdade que os norte-americanos criaram o «Super-homem», mas é bom
não esquecermos de que os chineses tiveram Chun-tzu, o velho general
de carne e osso, autor do livro «A arte da guerra».
Enquanto a
China cresce sem guerras e ganha parcerias pelo mundo, os EUA deixam por onde passam uma trilha de morte e destruição. E foi
assim que Roma caiu.
*O autor é acadêmico em Produção e Políticas Culturais pela Unipampa Jaguarão.