Era um fim de
tarde invernal. Sombras do crepúsculo caiam sobre os telhados.
Portas altas e fechadas com trancas de ferro. As janelas escondidas
pelas cortinas. No varal, não havia mais nenhuma peça de roupa,
pendurada. Tudo era cinza, apenas a casinha do Totó, prendia o
pescoço pela coleira arrastada corrente no pátio do quintal.
Acendeu a
luz.
- Boa Noite!
Todos
respondiam ao mesmo tempo. – Boa Noite! - Era um coro na conversa.
Meu tio
Alaídes acabava de chegar do pago de Tacuarembó. Viajou no trem que
vinha do Uruguai e trazia cartas de parentes de meu avô. Todas
envelopadas e coladas com grude, para não haver violação dos
escritos.
- Depois vou
ler! Seguidas na direção do escritório. Meu avô guardou! Ali
chaveadas junto com os livros que muito prezava.
Ficava no seu
quarto trancado e sinalizado por um cincerro de bronze barulhento
quando a porta era aberta.
Hora me fazia
lembrar onde estavam todos os livros com os quais, dizia: “aqui
todos aprenderam a ler e escrever”. Muitas histórias estavam ali,
romances, cadernetas de apontamentos, livros de orações, recortes
de jornais e documentos importantes. Que curiosidade que tinha,
vasculhar tudo, mexer, folhar e poder usar a caneta de pena.
Desenhar...
Varou a noite
fria. Parecia que todos dormiam silêncio de um breve, nada estava
como antes. A casa parecia vazia, desabitada pelas almas vivas que
sumiram. Foi então, que aproveitando do momento sonolento dos vivos,
pude entrar no quarto e abrir a tampa do escritório de meu avô.
Um susto!
Todos pularam em
alvoroço. Uns agradeciam pela liberdade paginada da expressão,
outros cantavam cantigas, cantigas antigas. Podia ver os números
soltos das cadernetas de apontamentos, somando, diminuindo e alguns
dividindo tudo aquilo que estava ali, trancado.
- Quem é você,
menino?
- Neto do meu
avô! (gargalhadas...) - Há neto de seu avô!
- Somos o
pensamento vivo de seus avôs, pais, tios, tias, primos, primas e
seus irmãos que à de vir. Somos o exemplo que se forma na cultura e
sabedoria de uma família. Por isso somos gratos pela invasão.
O menino.
Mais gelado
que a fria noite exclamou: - Invasão?
- Sim, invasão!
Quando se penetra em uma escrivaninha, abrindo, vasculhando no
sentido descobridor da curiosidade, cabe a todos nós (livros)
agradecer o que nos sufoca prendido das prateleiras estantes,
supostas estas expostas como troféu ao tempo.
Creio que,
nesta noite, vazia, fria, adormecida pelos vultos da casa. Os livros
de meu avô. Sim! Os livros de meu avô. Falaram comigo!
Jayme
Langlois Pirez Lameiro
Graduado em Turismo - UNIPAMPA
Edição de 20/05/2015 Ano VI nº 213