Por
Jorge Passos
“Senhores, quando virem passar meu caixão, saibam que ali vai um
homem contrariado”. Esta frase ouvi pela primeira vez proferida
pelo Seu Jorge Pagliani há uns vinte anos, quando estávamos
acompanhando um amigo comum em sua última jornada. Não sei se o
Seu Jorge cumpriu o prometido, mas pela sua vida exemplar como pai de
família e cidadão, com 102 anos bem vividos, diria que neste
sábado, 30 de maio de 2015, quando do seu sepultamento nas
Irmandades, ali ia um homem plenamente realizado.
Italiano
de Módena, Jorge Pagliani veio para o Brasil em 1926, adolescente de
13 anos. Creio que seu destino, Jaguarão, tenha sido fortemente
influenciado pela presença, nesta cidade, do seu tio, Padre Humberto
Pagliani, que já estava aqui radicado desde 1915.
Padre Humberto
fazia parte da Congregação de São José, de origem italiana,
fundada por São Leonardo Murialdo, em Turim,
no ano de 1873. A Escola Agrícola da Quinta no Rio Grande, em 1915,
convida o Padre Pagliani, que era diretor da Escola Agrícola
Industrial na Líbia, África, para dirigir o seu estabelecimento
dedicado à educação de crianças órfãs e carentes. Depois de
alguns meses, os Josefinos transladam-se para Jaguarão, onde
constituem a Sociedade Civil “Instituto Leonardo Murialdo”. O
Padre Pagliani faleceu em 1932, em Jaguarão, e tinha fama de santo.
Como legado, deixou o educandário que hoje ainda leva seu nome.
Patronato São José - Jaguarão - 1916 |
Dessa
devoção a São José, creio que todos os Pagliani comungam ainda.
Como não associar o nome Pagliani à famosa Confeitaria que leva o
nome do Santo, pai e protetor da Sagrada Família? Quando falamos do
patriarca Jorge Pagliani, também associamos valores e atividades que
marcaram sua existência: família, religiosidade, trabalho como
confeiteiro de mão cheia, músico, clarinetista na orquestra do
Maestro Raffo, compositor parceiro do Professor Roncato e da
Professora Verdina, membro assíduo do Coral Municipal, que hoje leva
seu nome, e uma paixão que desfrutava com os amigos, o xadrez.
esq.a dir:Cleber Domingues, Ángel Antunes, Vilmar Rienzo, Aldo Pagliani, Jorge Pagliani, J. Passos |
Com
o fratello
Jorge, como às vezes nos tratávamos, aprendi a admirar seu
constante bom humor e camaradagem nos torneios de xadrez e também
como colega nos Corais do Maestro Stefano Roncato e depois, da
Professora Verdina. Nunca o vi perder a calma ou alterar o tom a não
ser para cantar, na sua voz afinada e grave de barítono. Apesar de
italiano, diria que o temperamento do Don Giorgio era muito Zen,
talvez residindo aí, o segredo de sua longevidade.
Escrevendo
sobre essas figuras ilustres da família Pagliani em Jaguarão,
observo que é pouco estudada a presença da imigração italiana em
nossa cidade e na própria fronteira. Quem não se lembra do Hotel
Italiano em Rio Branco? Desfilam na minha memória os nomes Rossi,
Paganini, Roncato, Ricordi, Pagliani, Meroni...
1968 - Departamento de Xadrez na antiga Sociedade Ítalo Brasileira - Jorge Pagliani (centro) |
Recordo o prédio da
Rua Quinze onde estava sediada a Sociedade Ítalo Brasileira Giuseppe
Garibaldi e que, em 1942, diante da proibição de qualquer
manifestação cultural italiana após o Brasil declarar guerra
contra a Itália, foi doado ao Esporte Clube Cruzeiro. Ali funcionou
durante muitos anos o departamento de Xadrez, local em que comecei a
jogar com os irmãos Jorge e Aldo Pagliani e várias figuras da velha
guarda do Xadrez Jaguarense, Rodolfo Meroni, Carlos Eugênio
Azambuja, Valmório, Dr Cassuriaga, Álvaro Lopes, entre outros.
Nesta
semana em que os católicos celebram Corpus
Christi, festa de tradição,
patrimônio cultural de nossa cidade, com o artesanal tapete de
flores na rua General Osório, ligando a Matriz do Divino à Igreja
Imaculada Conceição numa passarela de fé, certamente a comunidade
jaguarense reconhecida pelo seu exemplo de vida, elevará uma prece
ao amigo Jorge Pagliani.
Resta
in Pace Amico Giorgio!
Prédio da Sociedade Ítalo Brasileira Giuseppe Garibaldi - Rua XV de Novembro - Jaguarão |
Detalhe da Fachada com logotipo |
Edição
de 03/06/2015 Ano VI nº 215