Morte
engrossa a triste estatística que coloca o Brasil como campeão
mundial de crimes homofóbicos
O final
de semana (17/07) foi marcado por uma triste notícia para os familiares da
travesti Gaby Rodriguez, de 32 anos. Ela foi executada com três
tiros, na cidade de Passo Fundo, onde residia há dois meses. O crime
aconteceu por volta das 23h30min, na esquina das ruas Coronel Camisão
e Independência, na vila Popular, próximo ao Sesi.
A vítima
não portava nenhum documento que possibilitasse a sua identificação.
Familiares, residentes em Jaguarão, tomaram conhecimento da morte e
pelo apelido suspeitaram que pudesse ser a familiar. Com isso, Magda
Regina Rodrigues Velasques, mãe de Gaby, foi a Passo Fundo e
reconheceu o corpo da (o) filha (o).
Segundo
uma testemunha, a vítima e outras duas travestis estavam no local
quando chegou uma moto. Após uma rápida conversa, o condutor da
moto sacou de uma arma e atirou quase à queima-roupa. A travesti
morreu na hora com um tiro no ombro direito, um no pescoço e outro
na cabeça.
O
atirador fugiu em direção ao Hospital Municipal Dr. César Santos e
desapareceu. As outras duas travestis saíram do ponto antes da
chegada da Brigada Militar. Populares revelaram à polícia que ela
trabalhava no local há umas duas semanas. Tudo indica que o
assassino era cliente de Gaby.
O caso
está sendo investigado pela Delegacia Especializada em Homicídios e
Desaparecidos (DEHD). Os agentes da DEHD estão à procura do
suspeito, que poderá ter a prisão preventiva solicitada, a não ser
que se apresenta à polícia nas próximas horas.
Número
de assassinatos de homossexuais cresce 31% no Brasil
“Mais
uma que se torna estatística no meio de uma sociedade hipócrita que
nos julga diferentes, que nos rótula como anormais, que nos empurra
um título de marginalizados. Até quando? Até quando? E eu mesma
respondo. Sempre. Porque a evolução dos nossos direitos anda a
lerdos passos. E eu diria mais. Anda mais pra trás do que pra
frente. Que descanse em paz Gaby Rodriguez o sofrimento pra ti acabou
amiga. Não precisa mais enfrentar essa sociedade doente,
preconceituosa e mesquinha. Infelizmente torna-se apenas mais um
número...”, manifestou Kamilly Bitencourt, na página do Facebook
de Gaby Rodriguez.
Infelizmente
o assassinato de Gaby engrossa a triste estatística que coloca o
Brasil como campeão mundial de crimes homofóbicos. O risco de um
homossexual ser assassinado no Brasil é 785% maior que nos Estados
Unidos. Os dados foram disponibilizados pelo Grupo Gay da Bahia, e
são de 2010. De acordo com a pesquisa o número de assassinatos de
homossexuais, travestis e lésbicas aumentou em 31,3% no ano de 2010,
se comparado com os números de 2009 (com 260 casos), ante 198 em
2009.
De acordo
com um dos fundadores do Grupo Gay da Bahia, o antropólogo Luiz
Mott, a luta é por ações afirmativas pelo fim dos crimes
homofóbicos. “Os representantes da causa LGBT não querem
privilégios, isenção de impostos nem cotas, como tem sido dito.
Queremos isonomia de direitos, além da criminalização da homofobia
nos moldes do racismo e a equiparação do casamento”.
Carlos
Magno Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, diz que uma das principais
reivindicações é que o governo estimule a produção de dados
oficiais sobre violações contra gays, o que seria facilitado pela
criminalização da homofobia. “O debate LGBT e o combate à
homofobia não podem ser assuntos moral e religioso, têm que ser um
assunto político”.
Congresso nacional atual é o mais conservador da história
Quando
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) derrotou o governo e se elegeu presidente da
Câmara dos Deputados Federais não significou apenas a derrota do
Palácio do Planalto no quesito articulação, mas de todos os
setores progressistas do Brasil. Prova disso é que, em menos de 12
horas, Cunha desarquivou um Projeto de Lei de sua autoria que visa
instituir o “Dia do Orgulho Heterossexual”, que tem por objetivo
proteger a sociedade da “heterofobia” e deu regime de urgência à
votação do Estatuto da Família, que torna oficial a marginalização
das famílias homoparentais e a certificação das uniões entre
pessoas do sexo oposto.
Eduardo
Cunha não veio para brincar. Logo que chegou ao poder da Câmara,
ativistas dos Direitos Humanos já previam o pior, mas também se
pensava que, estando no poder, Cunha não retomaria a agenda que lhe
deu visibilidade. Ledo engano, o atual presidente da Câmara dos
Deputados cumpre ao pé da letra quando diz que apenas “por cima do
seu cadáver” haverá a criminalização da homofobia, legislação
do aborto e regulamentação dos meios de comunicação. Estas pautas
não vão entrar no Congresso Nacional e, infelizmente, o Palácio do
Planalto não dá sinais de que vá se indispor por elas. De fora
para dentro, nos próximos quatro anos, a luta será para não
permitir retrocessos na parca legislação sobre assuntos da agenda
progressista.
Mas, é
preciso descer um pouco mais para se ter uma dimensão melhor do
significado de Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Primeiro,
ele é apenas um nome que carrega consigo tudo o que há de mais
retrógrado na política e sociedade brasileira: machismo, homofobia,
conceitos fundamentalistas de sociedade, proselitismo com os setores
empresariais. O atual presidente da Câmara é personagem de um grupo
político coordenado por lideranças evangélicas que, desde 2003, se
instalaram no Congresso Nacional e elegeram as agendas do aborto,
gênero e LGBT como inimigos nº 1 e, de lá para cá, impuseram
sucessivas derrotas a estas agendas. Porém, organizados como são,
sempre tiveram como prisma de poder tomar de assalto o Congresso
Nacional e o Palácio do Planalto.
E o que
é, de fato, a agenda do grupo de parlamentares fundamentalistas que
hoje comandam o Congresso Nacional? Mais do que figuras religiosas
obscurantistas, este grupo retoma conceitos sobre sociedade e
humanidade que nos levam de volta para o século XIX, quando as teses
de eugenia estavam muito em voga. Estes grupos pensam a sociedade a
partir de uma hierarquização social, racial e de gênero: são
aceitos aqueles que vivem para reproduzir e propagar a espécie
humana; negros, índios e LGBT são considerados sujeitos “menores”
ou “não-humanos”; mulheres são seres de segunda classe que
existem para parir e servir aos homens. A esta forma de organização
social, o filósofo Michel Foucault chamou de “anátomo-política”
ou “bio-política”, quando o gerenciamento da vida e o controle
social se tornaram fundamentais para o Estado liberal, este, aliado
aos poderes policiais, medicinais e religiosos.
Fontes:
Correio do Povo e Revista Forum
Edição de 22/07/2015 Ano VI nº 222