Para quem é um fronteiriço genuíno, as oscilações cambiais da
moeda não surpreendem de maneira nenhuma. Lá pelos anos 60 do
século passado morávamos no Rio Branco, onde meu pai tinha loja, a
Casa Azpiroz. Naquela época, não se falava em dólar, o que
interessava mesmo era a cotação do peso em relação ao cruzeiro.
Mas o Tio Ruivo, homem da campanha e que tinha vindo morar conosco,
pois já não estava em condição de ficar sozinho no seu rancho no
Telho, era mais resistente às modernidades. Lembro que era muito
arisco para o banho mensal, o que, apesar dos seus protestos, minha
mãe havia estipulado como mínimo. Volta e meia me pedia para
comprar gasolina para se afumentar as pernas. Eu ia na venda do Seu
Libório, que ficava ali perto do Liceo velho, onde hoje tem uns
quiosques de lanches. “Essa gasolina é santo remédio para a
coceira” dizia ele, fazendo o palheiro. Quando o assunto era
dinheiro, o termo utilizado por meu velho tio avô ainda era réis.
Tantos réis pra cá, tantos contos de réis pra lá! “Isso é
um disparate! Sabes quanto está uma caixa de goiabada no Oscar
Amaro? 200 réis!”
Minha mãe prezava os horários. Almoço ao meio dia, sempre. Depois,
à uma hora, todos nós ficávamos em silencio absoluto pois o pai
começava a escutar o informativo da Rádio Carve de Montevidéu cuja
parte mais importante era a cotação do peso. Nós sabíamos que
disso dependia o movimento da loja. Apesar da nossa ignorância em
relação às variáveis econômicas, sabíamos que da palavra
“movimento” e suas alterações de direção, para cima ou para
baixo, dependiam nossos maiores desejos de ser presenteados com um
brinquedo novo da Casa Cosmos, do Seu Eurídio, ali na esquina da XV
de Novembro com a Carlos Barbosa em Jaguarão. Meu sonho de consumo,
depois de ter visto o Ben Hur, era uma quadriga de cavalos com
penachos, igual à do Charlton Eston, protagonista e herói do filme
de romanos. Era de madeira torneada, ainda não tinha surgido o
brinquedo de matéria plástica e eram todos caríssimos. “Quando
as coisas melhorarem” tu ganhas, dizia meu pai.
Nos tempos de crise, quando já não vinham os compradores de Porto
Alegre, Pelotas, Rio Grande e até os de Jaguarão escasseavam, nas
mesas de exposição das mercadorias da loja, já não se viam
cobertores Aurora, blusas Burma ou lanas del Uruguay. Ali, luziam
flamantes, abóboras, espigas de milho verde, mugangos, melancias e
melões, produtos trazidos da chácara do Telho. E assim era, até a
próxima flutuação do câmbio, peso caindo, movimento subindo,
quando voltavam as viagens a Montevidéu para buscar novidades e
lançamentos. Vida de fronteiriço.
Edição de 07/10/2015 Ano VI nº 233
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