Minha
nova rotina de cozinheiro se deu nesta sexta passada, na banca 4 do
Mercado Público de Pelotas às nove da manhã. No dia anterior
aproveitei a feira orgânica que se acampa ali no largo do prédio
histórico e me muni de hortaliças, legumes, vegetais e ervas
aromáticas. Dei uma volta olímpica pelos corredores e as quatro
torres e pude garantir o peixe do ceviche, um belo atum, firme e
quase rosa, as azeitonas gregas e alguns insumos integrais como
farinhas e derivados. Observei também que tem vinho, temperos,
funghis, salames, queijos, castanhas, cachaças, conservas, secos e
molhados em geral. Posso cortar o cabelo também numa dessas pressas
cotidianas.
E enquanto isso faço uma fézinha com o bicheiro.
Enquanto o pessoal do Bra Pel fala de futebol me informo sobre o vai
e vem da dupla rival. Tenho à la minuta do lado esquerdo e do lado
direito do meu local, ali posso sentar e observar as pernas
frenéticas da população que vai pra lá e pra cá, costurando o
centro da Princesa do Sul. Aquele entorno te faz pensar em outras
épocas e na imponente lembrança desta cidade que escreve junto às
primeiras cidades do Brasil a história do país. Foi aqui que se
desenvolveu grande parte da economia do extremo sul e que naquele
então fazia frente com as grandes economias do centro do país, e aí
vem aquela história toda do charque e o gado xucro. Mas ainda
contemplo essas pedras velhas e sorvo um café, ali do meu amigo
castelhano, dividindo o frio confuso que avisa a chegada da
primavera. Faço fogo de lenha, tempero as carnes e enrolo os
vegetais marinados em alumínio. Divido um chimarrão com algum
vizinho ou passante enquanto o Tato, meu brother, abre os sobrelones
e ali começa a se armar todo o clima folclórico do Mercado.
Fico
ansioso por ver o Mercado de Jaguarão prontinho e atuante. Será ali
que me acomodarei para tomar uma cervejinha à sombra das figueiras.
Volto mais rápido que um Rainha até Pelotas, o que não é difícil
e esquento uma panela de barro a lume forte, ali mexo o entrevero de
carnes com fundo de legumes e se alguém aparecer com fome de
anteontem posso surpreender além do cardápio, que já é um mimo.
Tudo ali é possível, os pratos devem ser ecléticos e sustentar
qualquer bolso. O tempero tem que ser caseiro, pois ali, naquele
sítio nostálgico, um caldo ou um arroz, deverão lembrar mamãe ou
vovó, isso nos dará uma pausa no tempo, apara contemplar nossa
própria existência e imaginar um horizonte indiferente às selvas
de pedras da civilização descivilizada. Ponho a tocar meu rádio
AM, o mesmo que me acompanha em todas as cozinhas, desde as épocas
do saudoso Fondo Blanco até o fogão de quatro bocas do meu apê.
Ali o som se propaga agudamente, como um filme em preto e branco,
como o chiado do vinil, com a melancolia dos Mercados Públicos.
E para
terminar deixo a receita do Carusso que faço para acompanhar o
Entrecot à punta de llamas, o roubo da receita do capelletti e tento
deixar todo o amor de mãe impregnado nos aromas do creme amadeirado,
a todos um bom apetite, e nunca esqueça, antes de começar a comer,
brinde, agradeça e saboreie como se fosse sua última refeição,
afinal, vivemos todas as vidas nesta mesma vida.
Carusso
à moda Pimentero
Numa
frigideira véia e bem aquecida derreta manteiga e azeite de oliva,
em seguida junte fatias quase transparentes de cebola e champignons
tipo Paris, de preferência in natura. Mexa devagar e assim que
dourar tempere com pimenta do reino preta moída na hora e uma pisca
diminuta de sal. Cubra com molho de soja reduzido em 50% de sódio ou
light, e retire do fogo, sempre mexendo. Logo acrescente queijo
parmesão ralado na hora e uns duzentos gramas de duas natas
diferentes, uma mais líquida e outra mais cremosa. Volte ao fogo
lento mexendo até misturar tudo, desligue e jogue em cima da carne,
da massa, ou de uma cumbuca de vegetais salteados.
Edição de 09/09/2015 Ano VI nº 229
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